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Ao menos uma das escritas a  serem derrubadas tem reverberação  linguística: uma seleção triunfará  sob o comando de um treinador  estrangeiro? Em 18 Copas, ninguém  conseguiu a façanha. As campeãs  tiveram como treinadores cidadãos do  próprio país - ou, o que nos  interessa aqui, profissionais cujo idioma  nativo era o mesmo dos  jogadores. 
Neste ano, 12 seleções (37,5%  dos 32 participantes) vão recorrer a  "gringos". Bem verdade que, para  cinco delas, o caso é mais suave:  embora estrangeiros, seus técnicos  vêm de países onde se fala o mesmo  idioma dos jogadores. 
As demais sete, no entanto,  preveem o uso - mais ou menos  intenso, de acordo com a situação - de  tradutores para que haja  comunicação entre o treinador e atletas, ou  acreditam que o primeiro  será capaz de comunicar-se com fluência no  idioma dos segundos. Aposta  arriscada, recebida com reservas na  Inglaterra e nos quatro países  africanos que recorreram a ela.  
No Brasil, na Argentina, na  Itália e na Alemanha, seria  inconcebível, e não só em virtude de  aspectos nacionalistas. Há uma  razão na esfera linguística para que se  pense dessa forma, e o caso  brasileiro ajuda a ilustrá-la.  
O futebol envolve um jargão  particular, dominado por  profissionais do esporte, jornalistas e  torcedores. Em tese, esses  grupos se entendem quando recorrem a  vocábulos bem específicos para  falar de assuntos tão distintos quanto  esquemas táticos, estratégias  mercadológicas ou meros lances de  partida. Alguém que não saiba  distinguir um sem-pulo de um bate-pronto,  por exemplo, perdeu aula-chave  na informal escola da bola, ministrada  lá na infância, e será  recriminado sem perdão. 
Mas, a julgar pelo que dizem  personagens do noticiário esportivo,  o jargão do futebol embute uma  espécie de dialeto: a "língua do  boleiro", dominada por uma das tribos  que integram o ecossistema desse  esporte, a dos jogadores. Em geral,  ela é invocada para explicar por que  certas dificuldades de comunicação  entre atletas e integrantes da  comissão técnica - treinadores, em  especial - comprometem o desempenho  de uma equipe. 
Jargão  
Teria faltado, nessas ocasiões em que se produz o chamado "ruído", o uso de estratégias linguísticas (termo, aliás, que seria traduzido para "jeito de falar" em língua de boleiro) mais adequadas ao universo dos jogadores, a maioria deles vinda de um universo social marcado por formação escolar restrita. Os próprios atletas, para que possam se profissionalizar, tendem a deixar a educação formal em segundo plano, quando não a abandonam.
Por outro lado, se um novo "professor" (sinônimo de "técnico")   faz render da noite para o dia um elenco até então errante, imagina-se   que foi porque falou a "língua do boleiro". Não por acaso, jovens   ex-jogadores, que se tornaram treinadores há pouco, são os mais   associados na imprensa ao domínio desse "dialeto", que seria exclusivo   dos vestiários. Como estavam ali até ontem, ainda não teriam esquecido a   linguagem dos antigos colegas. 
Aos poucos, no entanto, considera-se que até esses técnicos  com  experiência nos gramados estariam sujeitos a perder a fluência na   "língua de boleiro". Na nova função, que costumam abraçar depois de   fazer cursos e estágios, desenvolveriam outro modo de expressar-se, mais   erudito e condizente com suas novas relações sociais, que incluem   contatos diários com a direção dos clubes, com os jornalistas e,   eventualmente, com interessados em contratá-los para palestras sobre   formação e condução de equipes. 
Expressões de técnicos 
Sempre que o tema for a comunicação entre jogadores e treinadores, o folclore do futebol brasileiro lembrará o caso de Claudio Coutinho, que comandou o Brasil na Copa de 1978. Capitão do Exército, ele já havia integrado a comissão técnica da seleção nas Copas de 1970, como preparador físico, e de 1974, como coordenador técnico. Ao substituir Oswaldo Brandão nas eliminatórias da Copa de 1978, tinha pouca experiência como treinador, mas convicção a respeito da necessidade de modernizar o futebol brasileiro, projeto que passava pelo vocabulário.
Algumas de suas expressões  mais célebres, como overlapping  (avanço do lateral ao ataque) e "ponto  futuro" (posicionamento a ser  buscado pelo jogador depois de passar a  bola), foram ridicularizadas à  época como a antítese da "língua de  boleiro". No primeiro caso, a  implicância era contra o uso de um termo  estrangeiro; no segundo, contra  um conceito que, posto daquela forma,  seria de difícil compreensão para  os jogadores.  
Trinta anos depois, o jargão  do futebol não incorporou, e talvez  jamais incorpore, o termo "ponto  futuro". Já estrangeirismos como  overlapping se tornaram comuns, como  "assistência" (do inglês assist) no  lugar de "passe para gol". Não há  propriamente novidade: como os  ingleses criaram o esporte, por décadas o  vocabulário do futebol esteve  repleto de expressões em inglês, como  corner ("escanteio"), ou  aportuguesadas, como "beque" (de back,  zagueiro).  
A resistência a Coutinho demonstra a importância do uso do   português no cotidiano do futebol. O drama linguístico dos estrangeiros  no comando de seleções pode  ser compreendido pela experiência de  brasileiros como Joel Santana,  atual Botafogo (RJ). No período em que  foi técnico da África do Sul, sobretudo na Copa  das Confederações de  2009, seu inglês foi ridicularizado no Brasil,  assim como o "portunhol"  de Vanderlei Luxemburgo quando treinou o Real  Madrid e o "portinglês"  de Luiz Felipe Scolari no Chelsea, da  Inglaterra. 
Tem-se, assim, uma pequena  ideia do que será a vida do italiano  Fabio Capello (para quem "futebol"  é calcio) à frente da Inglaterra ou  do sueco Sven-Goran Eriksson (para  quem "gol" é mal) no comando da Costa  do Marfim. Para vencer a Copa,  eles terão um desafio adicional ao de  Dunga no Brasil e ao de Maradona  na Argentina - ex-jogadores, ambos  campeões mundiais - que poderão na  Copa falar "língua de boleiro" em seu  próprio idioma. 
  | Os gringos que falam grego... | ||
| Seleções treinadas por estrangeiros que têm outro idioma nativo | ||
| País | Idioma oficial | Idioma nativo do treinador | 
| Africa do Sul | Africâner(1) | Português (Carlos Alberto Parreira) | 
| Austrália | Inglês | Holandês (Pim Verbeek, holandês) | 
| Costa do Marfim | Frânces (2) | Sueco (Sven-Goran Eriksson, sueco) | 
| Gana | Inglês | Servo-croata(Milovan Rajevac, sérvio) | 
| Grécia | Grego | Alemão (Otto Rehhagel, alemão) | 
| Inglaterra | Inglês | Italiano (Fabio Capello, italiano) | 
| Nigéria | Inglês | Sueco (Lars Lagerback, sueco) | 
| ... e os gringos com sotaque | ||
| Seleções treinadas por estrangeiros que falam ao menos um dos idiomas oficiais do país | ||
| País | Idioma oficial | Idioma nativo do treinador | 
| Camarões | Francês e inglês | Francês (Paul Le Guen, francês) | 
| Chile | Espanhol | Espanhol (Marcelo Bielsa, argentino) | 
| Honduras | Espanhol | Espanhol (Reinaldo Rueda, colombiano) | 
| Paraguai | Espanhol | Espanhol (Gerardo Martino, argentino) | 
| Suiça | Alemão, Francês e italiano | Alemão (Ottmar Hitzfeld, alemão) | 
| Torcida global | |
| Palavras para nomear o adepto de um time mostram diferenças entre as línguas | |
| O  léxico de uma dada língua chama a atenção para a mesma  coisa de  maneira bem diferente da de outros idiomas.  Em inglês, por exemplo, "torcedor" é supporter, o que dá sustentação ao time, assim como o italiano sostenere. No idioma espanhol, hincha é a figura que se entrega de corpo e alma à equipe, aquele que "se infla" por ela. Já na língua portuguesa, "torcedor" remete ao gesto de esmagar apaixonadamente a própria bandeira ou camisa em sinal de afeto pelo time. No português europeu, por sua vez, "adepto" é aquele sujeito que se ajoelha em respeito quase religioso por uma equipe.  | 
| Diversidade idiomática | |
| O variado vocabulário do futebol brasileiro | |
| Há tanto tempo e com tal intensidade o brasileiro cultua o futebol que se acostumou a um léxico diversificado de palavras para nomear os mesmos fenômenos, objetos e jogadas, que costumam ganhar lacônicos batismos em outros idiomas. | |
| Bola | Pelota, gorduchinha, redonda, criança, perseguida, vagabunda, margarida, maricota, nega, caroço, pipoca | 
| Drible | Ginga, finta, pincel, gotejada, pingada, escoada | 
| Bicicleta | Puxeta, voleio, meia-bicicleta, puxada | 
| Barras do gol | Traves, travessão, goleira (Rio Grande do Sul) | 
| Goleiro | Arqueiro, guarda-metas, guardião, golquíper, quíper | 
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